SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

A Psicologia Política no Brasil

 

A psicologia política é um campo dedicado a compreender a política, os políticos e os comportamentos políticos, a partir da perspectiva psicológica. Trata-se de um campo interdisciplinar capaz de aproximar teorias e metodologias da psicologia, ciências políticas, antropologia, sociologia, economia, história, filosofia, e, assim, produzir uma ciência ampla. Ela produz dados a partir de pesquisas quantitativas e estatísticas, com estudos longitudinais de tendência de voto e, também, da perspectiva qualitativa, quando analisa discursos de presidentes de nações, por exemplo. No século passado pesquisadores internacionais produziram dados com base em diversos acontecimentos políticos e históricos: nas décadas de 40 e 50 a personalidade e a cultura, as origens do fascismo e as personalidades autoritárias foram temas centrais; nos anos de 60 e 70 a pesquisa inclinou-se para atitudes e comportamentos de voto; nas duas últimas décadas do século XX ideologia e decisão foram temas de interesse (Jost & Sidanius, 2012).

É certo que os primeiros registros sobre o tema no Brasil datam há mais de um século. A obra “Gaspar Martins e Júlio de Castilhos: estudo crítico de psychologia política”, de Victor de Britto, publicado no ano de 1908, é um desses nascedouros. A interface entre psicologia e política está na narrativa da Revolução Federalista, e na tentativa de descrever seus dois principais líderes. Seu autor, médico baiano que trabalhou no Rio Grande do Sul entre os anos de 1891 e 1924, foi também deputado federal pelo estado gaúcho entre 1912 e 1914. A psicologia política também foi compreendida como uma ciência de governo, e tal registro pode ser encontrado na produção de José Francisco de Oliveira Vianna, consultor da Justiça do Trabalho durante o governo de Getúlio Vargas. Ele deu à psicologia social um sentido político, na tentativa de interpretar o cidadão brasileiro dentro da cultura e da organização política. Oliveira Vianna chegou a ser ministro do Tribunal de Contas da União em 1940, mas a sua principal contribuição foi em relação aos temas trabalhistas, culturais e institucionais (Silva, 2012).

Silvia Lane, Leoncio Camino e Salvador Sandoval são figuras fundamentais na consolidação da psicologia política no Brasil. Silvia Lane era filósofa e professora, e sua contribuição nasceu da militância para uma psicologia social e politicamente comprometida. Leoncio Francisco Camino Rodriguez Larrain, professor peruano com formação em filosofia e psicologia, foi professor emérito da Universidade Federal da Paraíba. Salvador Sandoval, professor na universidade católica de São Paulo, fundador e editor da Revista Psicologia Política, principal periódico acadêmico da temática.

A psicologia, que apenas em 1962 tornou-se profissão regulamentada no Brasil, e apropriada destes e outros achados históricos, tem construído uma psicologia política atravessada pelo olhar da política pública, politicamente engajada, com força de consciência e preocupada em enfrentar os vieses da repressão e do autoritarismo, tão comuns durante o extenso período da ditadura militar brasileira. Países do norte do globo, por outro lado, marcados por outros fatores sociais, econômicos e culturais, desenvolveram uma psicologia política com métodos de investigação próprios, criados ainda em meados do século XX. Durante as últimas décadas, pesquisadores americanos e europeus centraram suas pesquisas a partir de temas como personalidade, cultura, comportamento de voto e ideologia política, e hoje já há delineamentos voltados para relações internacionais, política estrangeira e imigração, próprios dos debates da contemporaneidade. Além disso, a não obrigatoriedade do voto, em muitos destes países, tem projetado muitas pesquisas no tema do engajamento político de seus cidadãos.

No Brasil, os acontecimentos políticos recentes – corrupção sistêmica e endêmica, divulgação maciça de fake news, embate entre conservadorismo e liberalismo – abrem um campo extenso e complexo de trabalho. É tempo de investir em pesquisas que possam ajudar, cada vez mais, na compreensão de nossa realidade, condensando a trajetória histórica da psicologia política brasileira com o estabelecimento de estratos variados de pesquisa, inclusive com a aplicação de modelos internacionais adaptados. Voltar a nossa ciência e profissão para a tentativa de compreender o mundo político pode trazer ensinamentos fundamentais para o desenvolvimento de novas teorias em praticamente todas as áreas da psicologia.

Referências:

Jost, J. T., & Sidanius, J. (2004). Political psychology: Key readings. New York: Psychology Press.

Silva, A. S. (2012). A Psicologia Política no Brasil: lembranças e percursos sobre a constituição de um campo interdisciplinar. Psicologia Política, 12(25), 409-426.                                                                                                      

 

Texto: A Psicologia Política no Brasil 

Autoria: Juliana Ledur Stucky (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul, Porto Alegre, RS)

Newsletter

Cadastre-se para receber notícias por e-mail: