SBP Sociedade Brasileira de Psicologia

Ricardo Gorayeb - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP

Reconheço que é uma tarefa bastante difícil escrever um artigo sobre a história de uma sociedade científica no Brasil. Há vários fatores adversos à tarefa. Em geral não há documentos disponíveis nos quais se basear. Devese confiar principalmente na memória do autor, e vários fatos poderão ter interpretações diferentes por parte de diferentes personagens. Além disso, esse é o tipo de artigo que foge ao tradicional, quanto à forma e ao conteúdo. Mas o desafio da tarefa estimulou-me a completá-la, especialmente agora que a Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto está para realizar seu XX Congresso Anual e, como tem sido dito e entendido desde seu XVIII Congresso, já atingiu sua maioridade. Animome também a escrever, por ser um dos poucos possuidores de alguns documentos que descrevem os primeiros passos da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto (SPRP) e ter sido participante ativo no processo de sua criação. Tendo sido sócio-fundador, primeiro secretário nas três primeiras gestões (1970, 1971 e 1972), e presidente nas gestões de 1979, 1982, 1983 e 1986, sinto-me cre¬denciado para realizar a tarefa de, pela primeira vez, tentar descrever sua história. Acredito na relevância da tarefa, visto ser a SPRP uma das poucas sociedades cientificas na área de psicologia no país com longa e bem sucedida história de organização, crescimento e atuação significativa na área de promoção e divulgação do conhecimento científico, sua tarefa fundamental. Por isto, a descrição da história de criação e evolução da SPRP pode servir como modelo para a criação e desenvolvimento de outras sociedades científicas, o que seria a melhor conseqüência para a tarefa de escrever este artigo. (Neste particular, agradeço à dra. Carolina M. Bori por ter-me estimulado, desde há alguns anos, a escrever este artigo.) Além disso, justifica-se escrever a história da SPRP, porque, a meu ver, apesar do nome regional, esta é, de fato, a verdadeira Sociedade Brasileira de Psicologia. A SPRP conta hoje com mais de um milhar de sócios quites com a tesouraria (mais de 2.000 profissionais ou estudantes já participaram do quadro de associados). Seus sócios atuais distribuem-se por 80% dos estados brasileiros e sua Reunião Anual conta em média com 800 participantes, sempre vindos de todas as regiões do país. Nos congressos anuais, a nata da produção brasileira em psicologia e áreas afins é apresentada e discutida, e grandes temas de relevância nacional para a psicologia são debatidos. Sua existência e atuação ativa nos últimos 19 anos é talvez uma de suas melhores características.

• História da criação da SPRP

Em fins de 1969 e começo de 1970, um grupo de estudantes de graduação em psicologia realizava estágios de pesquisa com um professor as¬sistente doutor da disciplina de Psicologia Médica do Departamento de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP. Recém-chegado dos Estados Unidos, onde fizera seu doutoramento, o Dr. João Claudio Todorov começava a organizar seu grupo de pesquisa. Reuniões eram feitas no prédio do Departamento, na avenida 9 de Julho, no antigo Hospital Psiquiátrico do dr. Emboaba, que sediava o Departamento criado com a junção dos antigos departamentos de Psiquiatria e Psicologia Médica, e de Neurologia. O espaço não era suficiente para abrigar o laboratório do dr. Todorov, que foi instalado no espaço existente para o Setor de Psicofarmacologia do Departamento de Farmacologia, no prédio central da Faculdade de Medicina, no câmpus universitário. As atividades de pesquisa iniciadas e a profícua interação com o grupo da Psicofarmacologia, liderado pelo dr. Frederico G. Graeff, favoreciam a ocorrência de discussões científicas relevantes. Carecíamos de um fórum apropriado para discussões dos trabalhos de pesquisa e para interação com outros pesquisadores da área. Por outro lado, no começo de 1970, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão, Preto (na época, instituto isolado da Secretaria de Educação, hoje USP), era ministrado o curso de Ética Profissional, para o 5° ano de Psicologia. O assunto discutido era: ética no exercício profissional, formas de proteção ao profissional formado, quando indivíduos não credenciados executavam ações do psicólogo. Os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia ainda não haviam sido criados, e não havia órgãos que fiscalizassem o exercício da profissão. Havia problemas nessa área em Ribeirão Preto, pois alguns despachantes policiais estavam montando institutos psicotécnicos ligados às suas atividades comerciais, e impedindo que os psicólogos que eles contratavam pudessem assumir uma coordenação técnica efetiva desses institutos. Prevalecia o interesse comercial sobre o científico e o título profissional estava sendo desrespei¬tado. Os estudantes presentes à aula viam a necessidade de que algo fosse feito para nos organizarmos e nos protegermos como futuros participantes da classe profissional. Alguns alunos empolgaram-se na discussão. Sugeri que pensássemos e agíssemos concretamente na criação ou fundação de uma entidade que efetuasse uma fiscalização do exercício profissional e defendesse os interesses dos psicólogos. A docente responsável pelo curso, Prof. Angela I. Simões Rozestraten, encarregou-me da tarefa de escrever um anteprojeto dos estatutos para futuras discussões em sala de aula. A discussão do assunto ocupou algumas aulas seguintes e extravasou os limites da sala de aula. Na qualidade de representante de classe e presidente do Conselho de Representantes de Classe do Grêmio Universitário da Faculdade de Filosofia, levei o assunto para ser discutido pelos outros alunos do Curso de Psicologia, através dos representantes de 1° ao 4° ano. Outros professores se interessaram pelo assunto, bem como os professores de Psicologia da Faculdade de Medicina. Convocaram-se, através dos representantes de classe, reuniões gerais, envolvendo alunos e professores das duas escolas, para a discussão da perspectiva de criação da Sociedade. Constituiu-se uma comissão para redação dos estatutos, composta pelos professores Lino de Macedo, Angela I. Simões Rozestraten e o estudante Ricardo Gorayeb. Essa comissão baseou seu trabalho no anteprojeto por mim elaborado e discutido pelo 5° ano de Psicologia de 1970. O anteprojeto redigido refletia a necessidade dos dois grupos acima citados e criava uma sociedade científica com objetivos de promover a psicologia como ciência e fiscalizar o exercício profissional. Nas reuniões gerais registravam-se em listas de presença os nomes dos participantes para futura identificação dos sócios-fundadores. Na terceira reunião criou-se a Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Lembro-me de algumas discussões realizadas nesse dia, um sábado à tarde, no anfiteatro do prédio velho do Hospital das Clínicas: o nome seria Sociedade ou Associação de Psicologia? Alguns colegas defendiam a idéia de criar uma associação que só zelasse pelos interesses profissionais. Venceu a idéia de criar uma sociedade, com atuações mais amplas, especialmente na área científica, com duas vice-presidências. A 1ª vice-presidência de assuntos científicos e a 2ª vice-presidência de assuntos éticos e profissionais. Discutiu-se também quem se-riam os sócios-fundadores. Se aqueles que participaram de todas as três reuniões de organização ou se os que participaram de qualquer uma das reuniões. Prevaleceu a idéia de que seriam sócios-fundadores os profissionais e estudantes que tivessem participado de qualquer das três reuniões. Lamentavelmente uma das diretorias posteriores da Sociedade eliminou a categoria de sócios-fundadores, e assim perdeu-se o registro de quem são as pessoas que participaram dessa organização inicial. Elegeu-se uma diretoria provisória, que acabou sendo a primeira diretoria da Sociedade de Psicologia. Era natural que o decano da psicologia em Ribeirão Preto fosse indicado seu presidente. Aquele que era o líder científico na área de psicologia passou a responder pela primeira vice-presidência de assuntos científicos. A professora de ética tornou-se a 2ª vice-presidente de assuntos éticos e profissionais. O estudante que tinha ativado o processo tornou-se o 1° secretário. Para a 1ª tesouraria foi indicado o outro membro ativo da comissão de estatutos. Como antevíamos problemas na área profissional, criou-se uma assessoria jurídica. Não tendo dinheiro para pagar um advogado praticante, convidou-se a profª Zélia M.M. Biasoli Alves, por ter um título de bacharel em direito. Para os cargos de 2° secretário e 2° tesoureiro, outros professores da Faculdade de Filosofia que participaram do processo foram eleitos.

A primeira diretoria da SPRP ficou assim constituída:

Presidente: Reinier J. A. Rozestraten

1° vice-presidente: João Cláudio Todorov (para assuntos científicos)

2ª vice-presidente: Angela 1. Simões Rozestraten (para assuntos éticos e profissionais)

1° secretário: Ricardo Gorayeb

2ª secretário: Terezinha Moreira Leite

1° tesoureiro: Lino de Macedo

2° tesoureiro: Luiz M. de Oliveira

Assessora Jurídica: Zélia M.M.B. Alves

Esse grupo exerceu a diretoria da Sociedade de Psicologia por três anos consecutivos, imprimindo o padrão que se repetiu e aperfeiçoou nos anos consecutivos.

• As Reuniões Anuais de Psicologia

Durante o processo de criação da Sociedade houve uma certa discussão quanto ao nome das reuniões científicas. Deliberou-se intitulá-las "Reunião Anual" para que se criasse a "obrigação" e tradição de realizá-las anualmente. O primeiro congresso (1 Reunião Anual de Psicologia) foi organizado no mesmo ano em que a Sociedade foi fundada. Decidiu-se que o mês se-ria outubro, pois nos daria tempo suficiente para organizá-lo e estaria suficientemente longe da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), para não competir com esta. A 1ª Reunião Anual de Psicologia foi organizada e planejada dentro de um clima de incerteza quanto ao seu sucesso científico e financeiro. A pequena e recém-criada Sociedade de Psicologia de uma cidade do interior do Estado de São Paulo fazia sua primeira reunião científica. A publicidade fora feita principalmente por meio de cartas aos cursos de psicologia do Estado de São Paulo. Não havia nenhum financiamento de fundações ou outros organismos financiadores de pesquisas e congressos. Contávamos somente com o apoio logístico da Faculdade de Filosofia e da Faculdade de Medicina, para emprestar mesas, cadeiras, projetores e alguns funcionários. A diretoria participou até em tarefas como carregar cadeiras e distribuí-las pelo salão de baile alugado para sediar o congresso. O conteúdo científico da reunião foi preenchido funda-mentalmente com trabalhos dos grupos de Psicologia da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Filosofia de Ribeirão Preto e do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP. Os conferencistas convidados eram quase todos da própria cidade, para não acarretar despesas. Apesar dos receios anteriores, a reunião foi um sucesso, com a presença de aproximadamente 350 profissionais e estudantes de vários cursos de psicologia do Estado de São Paulo e mesmo algumas pessoas de Minas Gerais e Paraná. Foram três dias de discussão intensa dos trabalhos científicos apresentados (cerca de 40) durante e após sua apresentação. Contatos e intercâmbios se faziam e eram planejados. Já se falava até na próxima reunião. Este sucesso refletia também a necessidade de outros grupos de fora de Ribeirão Preto de possuir um fórum apropriado para discutir problemas comuns nas áreas científica e profissional. A partir da 1ª Reunião Anual de Psicologia, o número de participantes foi quase sempre crescente, atingindo às vezes 1.300 pessoas. O mesmo aconteceu com as comunicações livres de pesquisa. Hoje há a necessidade de organizar seis sessões paralelas de apresentação de pesquisas, em cinco dias consecutivos. Cerca de três centenas de trabalhos científicos são apresentados atualmente em cada reunião. Ao analisar esse progresso, é fundamental destacar o papel que a Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) e que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tiveram no desenvolvimento da SPRP, através de financiamentos concedidos para a realização das reuniões anuais.

• Perspectiva de criação da Sociedade Brasileira de Psicologia

A Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto continuou crescendo continuamente nos seus primeiros 15 anos de existência. Poucos insucessos podem ser contados nesse período. As reuniões anuais tiveram cada vez mais participantes, a situação financeira estabilizou-se, compraram-se equipamentos para apresentação de trabalhos científicos, uma sede própria foi adquirida e um computador instalado. Em função de seu tamanho e da diversidade de interesses, 12 divisões especializadas foram criadas para promover atividades em várias áreas (Divisão de Psicologia Clínica, Divisão de Modificação do Comportamento, Divisão de Psicologia Organizacional e do Trabalho etc.). O quadro de associados crescia e diversificava-se, espalhando-se pelos estados do país. A SPRP passou a assumir também o papel de ajudar a organizar a área de Psicologia nas reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Progressivamente a SPRP ocupava o espaço vazio de uma sociedade nacional. A gestão 85/86 realizou um questionário entre os associados para avaliar a oportunidade de transformação do nome da Sociedade para Sociedade Brasileira de Psicologia, dando o nome correto a uma situação de fato. Acreditávamos que ela já era a verdadeira Sociedade Brasileira de Psicologia. A grande maioria dos sócios que respondeu ao questionário foi também favorável à proposta de transformação da SPRP em Sociedade Brasileira de Psicologia. Essa proposta foi então apresentada pela diretoria à assembléia geral de sócios. Todavia, a assembléia geral, com reduzido número de sócios, a maioria da cidade de Ribeirão Preto, deliberou rejeitar a proposta da diretoria. A mesma proposta foi apresenta-da no ano seguinte, sendo de novo rejeitada. Os sócios presentes temiam que a transformação pudesse prejudicar a evolução positiva que a Sociedade vinha tendo e que disputas políticas pudessem comprometer a realização das reuniões anuais. É minha percepção pessoal que transformá-Ia em Sociedade Brasileira de Psicologia é o caminho certo a ser seguido pela Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto. Acredito que a Reunião Anual possa ser deslocada de Ribeirão Preto, e que a denominação da Sociedade deveria descrevê-la mais adequadamente. A participação de profissionais de outras cidades nas diretorias já vem acontecendo de algum tempo, especialmente depois que o grupo de Ribeirão como que "cansou-se" da tarefa de administrá-la. Várias vezes, participantes de São Paulo, Piracicaba, São Carlos têm dado sua contribuição à tarefa. A minha sugestão seria que se criasse um grupo de apoio à Reunião Anual, onde quer que ela fosse realizada, e se elegesse uma diretoria mais representativa de toda a Sociedade. Várias vezes, tem sido uma tarefa árdua arregimentar sócios de Ribeirão Preto para participar da diretoria. A transformação em sociedade brasileira resolveria vários problemas. Novos talentos e novas idéias seriam utilizados. Um conselho de ex-presidentes serviria como forma de garantir que se continuaria a utilizar características de sucesso das gestões anteriores. Algumas sociedades de psicologia atingiram no passado ou atingem no presente uma semelhança de grandeza e significado da SPRP para a psicologia brasileira, mas não têm características de sociedade brasileira por vários motivos. Foram, ou são, localizadas em uma cidade ou um estado (por exemplo, a Sociedade Mineira de Psicologia ou a Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul), têm abrangência menor pela sua especificidade de tema (exemplo, a Associação Brasileira de Análise do Comportamento, ou a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Psicologia) ou tiveram duração efêmera (exemplo, a Sociedade de Psicologia de São Paulo). No passado, a tentativa de criação de uma Associação Brasileira de Psicologia foi fadada ao insucesso, e nunca cresceu além de um peque-no grupo de sociedades científicas, algumas inclusive já inexistentes. A meu ver a questão ainda está em aberto e é sempre reavivada, quando há dificuldades para encontrar indivíduos de Ribeirão Preto dispostos a dar parte de seu tempo para a administração de uma sociedade científica com tantas atribuições e responsabilidades. Oxalá este artigo possa também suscitar uma ampla discussão sobre o tema, envolvendo outras grandes sociedades e associações de psicologia do país.

• Análise das características de sucesso e uma discussão do futuro

Na criação da SPRP, acredito que algumas características foram fundamentais para garantir seu sucesso. A primeira é que ela veio ocupar um vazio. Não havia nenhuma sociedade que estivesse preenchendo o papel de uma sociedade brasileira de psicologia. Depois, um grupo cientificamente ativo e ávido para interagir teve a oportunidade de encontrar seu espaço. Outros logo se juntaram a eles. A inexistência do Conselho Federal de Psicologia (CFP) foi suprida, ao menos em parte, pela atuação da 2ªvice-presidência de assuntos científicos. (Posteriormente a SPRP participou da organização inicial do Conselho Federal, vindo seu primeiro presidente a ser um dos primeiros conselheiros do CFP.) A vitalidade da participação estudantil desde a origem da Sociedade foi também outro fator de impulso. Na evolução da Sociedade, acredito que o fato de ela nunca ter favorecido ou desfavorecido nenhuma orientação teórica foi importante para atrair todos os tipos de público. Outro fator importante foi que, quase sem exceções, os indivíduos que trabalharam nas diretorias o fizeram de uma maneira desinteressada de vantagens pessoais e sem preocupar-se em personificar suas ações. A visão do bem coletivo prevaleceu. E minha percepção que a Sociedade cresceu muito. Decisões acertadas, como computadorização, criação de divisões especializadas tornaram mais ágil seu funcionamento. Todavia, há que ser redimensionada para não sofrer paralisias por seu gigantismo. Acredito que a Reunião Anual está muito grande e corre-se o risco de perder qualidade por privilegiar quantidade. A transformação em Sociedade Brasileira de Psicologia permitiria a realização gradativa de pequenas reuniões regionais, a serem coordenadas por secretarias regionais. Um embrião já existe com a designação de 21 representantes locais em diversas cidades do país onde o número de sócios da SPRP é grande, e com a promoção de atividades fora de Ribeirão Preto. A SPRP nunca assumiu plenamente seu papel de centralizadora do debate das questões de política científica na área de psicologia. Só o faz timidamente, talvez limitada pela denominação de sociedade local. Deveria ser através dela que seus sócios e seus órgãos diretores se manifestariam amplamente quanto às questões de política científica, curriculum, graduação, pós-graduação, especializações e programas de residências. Não ocupar este espaço torna a psicologia brasileira fraca pela ausência de representantes legítimos. Ao encerrar este artigo, não me preocupa a eventual discrepância de interpretações sobre os fatos do passado. Se algumas informações que acredito verdadeiras e que estão contidas neste artigo não corresponderem às interpretações de outros envolvidos no processo de criação da Sociedade, talvez isso estimule a produção de outros artigos relatando fato ou fatos que eu desconheça, ou mesmo dando enfoque diferente às minhas percepções. Isso somente enriquecerá o conhecimento do processo. Avalio da mesma forma as minhas opiniões sobre a Sociedade Brasileira de Psicologia.

Artigo recebido em 20/fev/90. Aceito para publicação em 5/mar/90. Autor: Ricardo Gorayeb - professor doutor, Departamento de Neu¬ropsiquiatria e Psicologia Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, Cãmpus Universitário, Ribeirão Preto. SP 14049.

Reinier Rozestraten - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto

• "Os Primórdios da SBP" (mais sobre a história)

Como ouvimos, a participação dos alunos do Curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi essencial para a fundação da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto: no entanto também se aproveitaram da experiência de Dr. João Cláudio Todorov, recém-chegado de um estágio nos E.U.A., e de seu contato com a A.P.A. e outras associações. Como sempre, surgiram também vozes contra, dizendo que não valeria a pena, que isto era coisa de estudantes e que Ribeirão Preto era um lugar muito pequeno para poder comportar uma Sociedade de Psicologia. No entanto, acreditei na possibilidade desta Sociedade poder fazer algum trabalho útil. Da minha experiência com a Sociedade Mineira de Psicologia, já sabia que não seria de todo fácil e que os psicólogos formam uma raça difícil de se lidar. No entanto, devemos nos lembrar que, naquele tempo, os primeiros anos de setenta, ainda não existia o Conselho Federal de Psicologia, nem os Conselhos Regionais. A Sociedade de Psicologia era, portanto, vista mais do que como um órgão de comunicação científica, como órgão fiscalizador da ética profissional. Penso que é por ter sido presidente da Sociedade Mineira de Psicologia que me pediram para aceitar a presidência desta nova sociedade. Como primeiro vice-presidente foi convidado Dr. João Cláudio Todorov cujas idéias marcaram o caminho desta Sociedade. Provavelmente, a exemplo do que tinha visto nos E.U.A., deu logo a idéia de organizar uma Reunião Anual da Sociedade. Esta idéia salvou a S.P.R.P. de seguir o caminho triste de diversas Sociedades e Associações de Psicologia no Brasil, o caminho da evasão, da anemia e, por fim, da dissolução, quando os Conselhos Regionais começaram a desenvolver suas atividades. Temos que agradecer a João Cláudio esta orientação para um rumo científico, para a comunicação de resultados de pesquisas, de promulgação de trabalhos sérios. Foi idéia dele realizar logo em outubro do primeiro ano a 1ª Reunião Anual da Sociedade. É graças a esta idéia, que se desenvolveu mais e mais durante estes 18 anos, que estamos aqui reunidos para mais um conclave de intercãmbios, tendo um passado de centenas de trabalhos já comunicados, frutos do trabalho e dedicação de muitos. Como segunda vice-presidente entrou a Prof ª. Angela Inês, mais especifica-mente para o estudo dos problemas éticos que já começavam a surgir, e, entre outros, os dos recém-criados psicotécnicos. O aluno que mais tinha lutado para a criação da Sociedade, Ricardo Gorayeb, cursando então o 5 ° ano, entrou no cargo de 1°. secretário, auxiliado pela Profª. Zélia Biasoli Alves. A parte financeira ficou nas mãos do 1°. tesoureiro, Prof. Uno de Macedo e o 2°. tesoureiro, Prof. Luiz de Oliveira. A anuidade foi fixada em Cr$ 60,00 para sócios efetivos e Cr$ 20,00 para sócios aspirantes. Eis aí a equipe das primeiras horas. O conselho fiscal era formado pelos professores Paul Stephaneck, André Albin Jacquemin e Terezinha Moreira Leite. As reuniões foram realizadas no Emboaba: cada um colocava à serviço da Sociedade o que era necessário: máquina de escrever, mimeógrafo a álcool, etc. Assim, de um esforço conjunto e com o apoio dos professores e alunos do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que naquela época ainda pertencia à CESESP, nasceu a SPRP. A eleição - em junho de 1971 -, e diversas conferências, foram realizadas no Centro da Associação Médica na rua Tibiriçá. A 1 Reunião Anual da Sociedade se concretizou no fim de outubro de 1971 num salão de um antigo cinema desativado no Jardim Paulista. Se não me engano, tivemos 160 participantes, diversas conferências, apresentação de trabalhos e de projetos. Todo mundo assistiu a tudo, não tinha ainda a diversificação que atualmente caracteriza nossas Reuniões Anuais. Ainda havia muito a melhorar na organização, na preparação, etc., porém a semente estava lançada. Infeliz-mente, não sairam os Anais desta 1 Reunião. Já na 2a. reunião houve alguma tentativa de Anais, apesar de primitivo. E, seja como for, parece que, mesmo da 1ª Reunião, o pessoal que tinha participado gostou e o resultado era uma 2 a reunião mais frequentada, no Teatro Municipal. Em junho de 1973, foi realizada a eleição para o segundo biénio 1973 -74, e continuei no meu cargo. Dr. Paul Stephaneck e Dra. Terezinha Moreira Leite eram os vice-presidentes. Ricardo Gorayeb continuou como secretário, assistido por Vera Machado. Na tesouraria continuou Dr. Uno de Macedo assistido por Lúcia Zucoloto. Profª. Zélia Biasoli Alves entrou como Assessora Jurídica, e, no Conselho Fiscal, ficaram André Jacquemin, Angela Inês Simões e Dr. Luiz de Oliveira. Em fevereiro de 1972 o segundo boletim já era dedicado à lei 5.766 de 20/12/1971, criando o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia. Surgiu com toda força o problema se o psicólogo pode ou não exercer atividades clínicas terapêuticas, que foi questiona-do pelo Conselho Nacional de Saúde e, mais em particular, pelo sanitarista Artur de Alcântara, que em 5/5/73 publicou no Jornal do Brasil um parecer, aprovado pelo Ministério de Saúde, propondo restrições sérias a atividades terapêuticas por psicólogos. Como foi publicado no Boletim n°. 3, os psicólogos cariocas manifestaram-se revoltados com o parecer e acharam que "o que está por trás disso tudo é unia tentativa de monopolizar o mercado em favor dos psicanalistas e psiquiatras". De posse de uma cópia desse parecer o Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Aplicada, Dr. Aroldo Rodrigues, Coordenador do Departamento de Psicologia da PUC, Rio de Janeiro, encaminhou-o para uma comissão conjunta de médicos e psicólogos que exerciam atividades profissionais no Setor de Psicologia Clínica da PUC e esta comissão elaborou uma resposta ao parecer, especialmente no sentido de informações gerais sobre a formação do Psicólogo Clínico na PUC-RJ, demonstrando que o Psicólogo tinha competência e formação profissional adequadas para exercer atividades terapêuticas. O CNS já tinha sugerido a modificação da Lei 4.119/62 através de um decreto presidencial, tirando portanto a possibilidade de discussão do assunto no Congresso Nacional. Foi convocado então, pelo Dr. Aroldo Rodrigues, o 111 Encontro das Associações de Psicologia do Brasil para 2 e 3 de junho de 1973. Tive o prazer e a honra de, em nome da SPRP, participar desta reunião, juntamente com 13 entidades, e na qual foi elabora-do um programa de ação em defesa dos direitos dos psicólogos assegurados pela lei 4119/62. Esta mobilização dos psicólogos em defesa de sua profissão provavelmente teve outra conseqüência benéfica, a de que finalmente nos últimos dias de dezembro de 1973 foi convocada uma reunião das diversas entidades de psicologia para dar forma mais concreta à Lei 5.766 de 20/12/71. Tinham decorrido exatamente dois anos depois da aprovação desta lei e o Ministério de Trabalho, provavelmente sob pressão de "forças ocultas", não tinha tomado as providências para esta convocação. Assim, o 1 °. boletim de 1974 já pôde dar a notícia da eleição do Conselho Federal de Psicologia, da qual participei como presidente da SPRP. Foram eleitos Arrigo Leonardo Angelini - presidente -, Virgínia Bicudo - vice-presidente -, Geraldo Servo - secretário -, associações de psicologia existentes, apresentando seu "status quo", possa chegar a um novo organismo, até por fusão de algumas associações já existentes. O que infeliz-mente nos falta é união a nível nacional, que me parece apenas alcançável com espírito de sacrifício de agrupamentos menores. O retrospecto do Boletim de maio de 74 terminou assim: "À nova diretoria, e de modo particular ao novo presidente, Dr. Luiz de Oliveira, meus votos de felicidades, que nos próximos anos se consiga uma solidariedade e um "esprit du corps" e uma união sempre maior entre os sócios, pois isto fará crescer e florescer nossa SPRP". A ele então a palavra."

Anais da XVIII Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto (1988).

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